quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Despeço-me da Garota do Cinzeiro

É que na minha cabeça parece existir uma estação cinzenta,
E é lá que estão todas aquelas garotas da revista,
De lá mando todos meus pensamentos pra destinos longínquos,
Distraio passando por velhos cheirando a cigarro,
No qual só a fumaça, atravessa a sombra da imponente cartola que lhe calça a cabeça,
Ciganas esbatidas, dissimuladas, cercam-se as  próprias saias por atenção,
Passo por uma criança que gira o peão:
-Eis a mais fiel réplica do nosso planeta.

-Onde escondestes o horizonte, portanto?
-Quando olhas a melancia tambem não enxergas a semente!
-Mas ainda há buracos em nossos sapatos.
-Espero que eles me levem também.
Afasto olhar do garoto,
Percebo que um cachorro equilibrista reclama de cárie nos dentes,
Diante da velha senhora que lhe oferece algodão doce,
A par do incoveniente, surge um pequeno filhote vira-lata e questiona:
-Do que nos vale o doce sabor da vida, se ainda assim o amargo sabor da morte nos assombra?
-E se eu fosse tão velha quanto a morte, jovem canino?
-Aí você seria o amor, pois amar é ver alguem morrer!
Quando dou por mim, o garoto do peão corre exaltando meus sapatos furados,
Que ele acabara de me roubar!


Sem sapatos, consigo sentir o dureza do asfalto,
Piso em resíduos de amendoim que os pombos,
Sarcasticamente me parecem propositais,
Haviam deixado no local.
O palhaço que enche os balões em forma de girafas,
Confronta-me, e alheio a minha desconfiança,
Me questiona o porque de um lugar tão sem cor, ter tanta vida.
Cansado de dialogos pouco convexos,
Aceno ao palhaço e sento-me em uma mesa que mais se parece uma maçã,
Exausto, peço duas doses de Molho de Nuvens,
Daquelas carregadas, quase um porre,
Com 3,4, gotas de groselha, claro!
O Carteiro sempre disse pra não brincar com bebidas muito fortes.


Lembro-me exasperado, que esta na hora de partir,
Sou dotado de raríssimas  prendas financeiras,
Viajo sempre de Polvo, tenho amizade com o mesmo,
Cabine comprada, bilhete com tentáculo Nº 7,
A estação logo se infla,
Aquela conhecida impressão de que todos vão ao mesmo lugar que a gente,
Pergunto-me se todos conhecem minha Tia Zilda,
Tamanha presunção familiar é pouco ortodoxa,
Ja que nos corais vizinhos um encontro de colecionadores de maçanetas,
Esta agitando o lugar!


Ao colocar minhas tatuagens na mala,
Percebo uma garota que chora copiosamente com cinzas na mão,
Ao encarar-me, reparei na sua maquiagem preta borrada aos olhos
Senti que jamais seria melhor que ela,
Distribuindo-se a um olhar disperso, ela se aproxima vagarosa sobre o asfalto,
Levanto a do chão, e sorrateiramente passo minha língua na sua testa,
Como se quisesse sentir o sabor da aflição que se passava em seu consciente,
A garota tinha gosto da sensação receptiva, de voltar pra casa,
Ela pega em minhas mãos e se lamenta me mostrando as cinzas,
Dizendo que foi aquilo que sobrou do seu coração,
Que todos os seres dignos da sua afeição o queimaram displicentemente,
Que sua vida era desprovida de euforia, alegria, expectativas
Pois desde então vivia apenas de relances cerebrais,
Me pediu então, um coração novo!
Disse que eu podia fazer do seu peito, um lugar fértil denovo,
Onde brotassem até uma duzia de novos corações:
-Um coração novo e eu lhe farei da vida, um roteiro de um filme sem fim!


Mesmo atentando-me a proposta da moça,
Não havia idéia de como adubar um peito,
Havia cativado poucas pessoas na vida, em todas elas plantei uma simples semente,
Daquelas que vendem em lojinhas de artigos para fertlilizar as luas crescentes,
Nenhuma delas me fizera do coração, cinzas que pegasse na mão,
Mas nenhuma delas também me fizera da vida 'um roteiro de um filme sem fim'.
Percebi que dentre todas essas pessoas, a garota me despertava algo diferente,
Ela tinha todos os epílogos de livros que ja tinha lido,
Estiquei-lhe toda minha compaixão em formato de um cinzeiro,
-Por mais que não consiga lhe dar um, ainda assim posso guardar seu coração!
Desapontada, ela olhou, amparada em mim:
-De todo mal, pelo menos não o levarei na mão, poderia ter esbarrado em alguem e tê-lo perdido
-De que vale uma garota sem um coração?
-O mesmo valor de um lugar com cores mas sem vida!
-É o mesmo que um lugar morto?
Nesse instante ela me entregou um bilhete e saiu com seu cinzeiro laranja na mão,
Mesmo sabendo que perdia o horario da viagem, não me atrevi a olhar no relógio,
Apenas fitava a garota do cinzeiro, sequer pude me despedir,
Ou perguntar se me dera 'um roteiro de um filme sem fim',
Acordei na minha nuvem com o bilhete na mão:

"A morte nos devolverá a Deus, assim como o pôr do sol
É devolvido para o oceano solitário".

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